
“Quando ando pelas ruas da cidade, pensativa, introspectiva, cabisbaixa, uma vez por outra, reparo nos paralelepípedos sobre os quais, vou andando. E observo as suas formas irregulares, imperfeitamente paralelepipédicas.Apesar das arestas não se ajustarem perfeitamente, por conta da imperfeição do seu acabamento, formam um todo solidário quando unidas.Portanto, nem tudo o que é heterogéneo, nem tudo que é diferente, nem tudo o que é irregular e imperfeito, fica necessariamente desajustado a outra coisa imperfeita ou irregular. Sempre há algo que possa unir o que é diferente e tornar coeso o que é incoerente. Talvez seja possível unir uma esfera a um paralelepípedo, desde que se use a cola ou cimento apropriados. E penso nos seres humanos e os seus insuperáveis desentendimentos, que poderiam ser superados com o cimento da compreensão.Se, ao menos, pudessem perceber que as diferenças que os afastam são menos diferentes do que imaginam, se soubessem que a cor que diferencia as suas peles é muito mais ilusória do que aquela que colore as suas almas, e que as margens de um rio ou uma cadeia de montanhas é motivo para unir, não para afastar, se soubessem que muito do que os separa e distingue - o medo e a coragem, a riqueza e a pobreza - são motivos para aproximar e, não, para distanciar. Para que percebessem, bastaria somente, permitirem-se tocar pela força mágica da compreensão.Para compreender outra pessoa, basta sair de si mesmo e colocar-se no seu lugar, basta tomar como princípio que todas as coisas que nos afligem, que nos fazem amar ou odiar, que nos dão prazer ou dor, tudo que nos provoca um sentimento e nos afecta de alguma forma, igualmente afecta a outra pessoa. Pois tudo que temos de humano, todo humano tem, ainda que não, na mesma proporção. A única coisa que passeia em minha cabeça, quando observo os paralelepípedos das ruas, é a paz que os une o os mantém para sempre, serenos, sólidos e solidários e, se essa paz, seria possível entre seres humanos.Se compreendêssemos que o que a outra pessoa diz não é aquilo que pensamos que diz, mas sim, o que de facto diz, e se a pessoa que diz, soubesse que o que pensam que ela diz não é o que diz, mas o que de facto pensam que diz, e se compreendêssemos que o que dizemos não é o que pensam que dizemos, mas o que de facto pensam que dizemos, e se compreendessem que o que pensam que dizemos não é o que dizemos de facto, mas o que pensam que dizemos, talvez, então, percebendo que não somos perfeitamente compreendidos, por não nos fazermos compreender perfeitamente e que não compreendemos perfeitamente, por nossa compreensão das coisas ser igualmente imperfeita, nós, seres humanos, passássemos a nos compreender melhor e imperasse, enfim, na humanidade, a paz e a concórdia. Acho que o início da compreensão é a percepção da incompreensão.E, no mais, são os paralelepípedos que correm sob meus pés.”